A impressão que eu tenho é de não ter envelhecido embora eu
esteja instalada na velhice. O tempo é irrealizável. Provisoriamente, o tempo
parou pra mim. Provisoriamente. Mas eu não ignoro as ameaças que o futuro
encerra, como também não ignoro que é o meu passado que define a minha abertura
para o futuro. O meu passado é a referência que me projeta e que eu devo
ultrapassar. Portanto, ao meu passado eu devo o meu saber e a minha ignorância,
as minhas necessidades, as minhas relações, a minha cultura e o meu corpo. Que
espaço o meu passado deixa pra minha liberdade hoje? Não sou escrava dele. O
que eu sempre quis foi comunicar da maneira mais direta o sabor da minha vida,
unicamente o sabor da minha vida. Acho que eu consegui fazê-lo; vivi num mundo
de homens guardando em mim o melhor da minha feminilidade. Não desejei nem
desejo nada mais do que viver sem tempos mortos.
Trecho da Peça VIVER SEM TEMPOS MORTOS, inspirada na
correspondência de Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, com Fernanda
Montenegro.
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